Introdução
A Segunda Guerra Mundial
transformou drasticamente e de diversas formas os cinco continentes
do planeta, sendo até hoje o maior conflito armado da história.
Na América, em especial, a região Nordeste do Brasil
foi uma das áreas afetadas, pois, apesar de não
estar dentro do cenário de conflito direto da guerra, no
início dos anos 40 transformou-se num ponto de passagem
dando um destaque ainda maior à cidade de Natal, no Rio
Grande do Norte, com a instalação da maior base
militar norte-americana fora dos limites dos Estados Unidos.
Contudo, a importância do local é bem mais antiga,
contrariando o imaginário popular que acredita na inexistência
de Parnamirim antes da passagem dos americanos. Como Natal desde
a década de 20 era passagem obrigatória das aeronaves
de diversas partes do mundo – França, Alemanha, Itália,
entre outros, inclusive, Japão e Austrália –
devido a sua proximidade com o continente africano, se tornou
necessário o incremente logístico para atender o
revolucionário meio de transporte, o que originou o campo
de pouso de Parnamirim, em 1927.
Exploração
Francesa
No ano de 1925, a empresa
de correio aéreo francesa Latécoére manda
ao Brasil, via navio, uma série de aviões, pilotos
e mecânicos, para explorar a viabilidade de implantar no
País o serviço de correio aéreo. No início,
sem aeródromos, os pilotos exploradores eram obrigados
a pousar em descampados, principalmente praias, consolidando o
trajeto Rio de Janeiro-Recife. Quando, em 1927, já com
autorização do Governo Federal os franceses implantaram
a linha regular Recife-Buenos Aires (Argentina). Nesse mesmo ano,
tendo em vista a futura união aeropostal entre Paris e
Buenos Aires, a Latécoére envia a Natal o piloto
Paul Vachet com a missão de encontrar uma área para
construir um aeródromo potiguar.
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Avião da Latécoére
após pousar na beira mar. Exemplo de como Paul
Vachet fez ao aterrissar na praia da Redinha, em Natal,
no ano de 1927 |
Com o auxílio do coronel do Exército, Luís
Tavares Guerreiro, por dois dias Paul Vachet tentou localizar
um terreno plano e ideal, no entanto, não obteve sucesso.
Por ser caçador e um profundo conhecedor da região,
o oficial Guerreiro sugere então uma área a 20 quilômetros
da cidade, uma imensa planície cujo o solo arenoso e duro
era coberto por uma vegetação rasteira, porém,
o acesso era possível apenas pela linha férrea da
Companhia Great Western, no que depois ficaria conhecido como
“Campo de Parnamirim” ou “Campo dos Franceses”.
O terreno pertencia ao português Manoel Machado, comerciante
em Natal, o qual foi procurado pelo francês e de imediato
autorizou em cartório a cessão das terras.
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"Campo Francês"
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"Campo Parnamirim" concluído em 1927
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Em 15 de outubro de 1927, pouco após
a pista ser terminada, recebe então o seu primeiro pouso.
Tratava-se dos pilotos Costes e Lê Brix, franceses que participavam
de um raid internacional (quebra de recorde). Não eram
da Latécoére, porém, seria a primeira vez
que uma aeronave faria a rota África-Natal, sem escalas.
O tão sonhado plano francês de unir Paris a Buenos
Aires, por uma rota totalmente aérea, só ocorreria
em 1930, quando Jean Mermoz partiu do Senegal, pousando em Natal
com mala postal parisiense destinada a todos os locais da América
do Sul.
As famosas linhas Latécoére foram vendidas em 1928
e renomeadas CGA ou simplesmente Aeropostale, que enfrentou um
processo de falência judicial e foi nacionalizada em 1933,
tornand-se junto com outras empresas a atual Air France, que operou
no Brasil até a rendição francesa em junho
1940 aos alemães. Curiosamente, alguns meses antes, a Linee
Aeree Transcontinentali Italiane (LATI) se estabelece vizinho
aos franceses em Parnamirim, e a Itália viria a declarar
guerra à França em maio daquele ano, logo, por um
mês os dois inimigos compartilharam a mesma pista. A vida
da LATI no Brasil também foi curta, devido a guerra e o
bloqueio americano de combustível, a empresa deixa o País
em dezembro de 1941.
Auge do campo com
a presença dos americanos
Com a queda da França
para a Alemanha na Segunda Guerra, o governo dos Estados Unidos
preocupado com o estabelecimento de bases do Eixo em territórios
franceses nas Américas, passa a ocupá-los, e como
o Brasil era um país soberano aqui não puderam fazê-lo,
portanto, em 1941, a alternativa foi um acordo com o governo brasileiro
no qual uma empresa americana – Pan Am – através
de sua subsidiária Airport Development Program (ADP) ocuparia
esses aeroportos com o intuito de desenvolve-los. A obra começa
em Parnamirim em julho de 1941, mas na realidade todo o dinheiro
empregado pela ADP vinha do governo norte-americano que tinha
interesse em ter pistas de pouso na rota da África para
exportação de aviões destinados aos ingleses,
que já combatiam os italianos e alemães no norte
daquele continente desde 1940.
A mesma situação vivida pelos franceses e italianos,
entre maio e junho de 1940, “inimigos e vizinhos”,
voltou a se repetir quando chegam os americanos em 1941 para desenvolver
Parnamirim sob a administração do ADP. Embora não
inimigos declarados, na realidade os EUA estavam totalmente do
lado inglês contra o Eixo, do qual a Itália fazia
parte. No desenrolar, os americanos começam a construir
as pistas novas e são regularmente espionados pelos italianos
que sobrevoavam a obra para fotografar. Começou o embate
diplomático afim da
expulsão da LATI pelo governo brasileiro sob o pretexto
de espionagem, mas antes disso, em dezembro de 1941, os Estados
Unidos entram na guerra e cortam totalmente os suprimentos de
combustível dos italianos, agora inimigos declarados que
sem alternativa fogem deixando para trás aeronaves, edifícios,
enfim tudo.
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Fotos do
início da construção de Parnamirim
Field. Arquivo: LIFE |
Tem início então, o
que seria a ser Parnamirim Field, a maior base americana fora
dos Estados Unidos. Uma vez em guerra não havia mais a
necessidade de disfarçar os motivos pelos quais os civis
americanos realizavam obras, então começa a chegar
os primeiros militares do Air Corps Ferrying Commands (ACFC).
O primeiro de todos, o então segundo-tenente Marshall
Jamison que no início comandava a si próprio
com a missão de dar apoio logístico as tripulações
a caminho da África, em janeiro de 1942, ocupando o hangar
dos franceses.
Já o hangar da LATI, que estava vago e ainda equipado inclusive
com um avião, foi ocupado pelo Exército Brasileiro.
Missão: espionar o movimento dos americanos. Essa situação
não se estendeu por muito tempo por dois fatores; o primeiro
é que todas as instalações existentes (LATI
e Air France) com a pista, passaram a ser a Base Aérea
de Natal (Bant) criada em março de 1942 e o segundo é
que os primeiros prédios da base americana conhecida como
Parnamirim Field já haviam sido completados. Vale ressaltar
que o Brasil, nesta época, ainda não estava em guerra,
contudo, permitiu a operação dos americanos devido
ao Tratado de Havana, assinado em julho de 1940.
Tal acordo, previa que qualquer nação do continente
americano que fosse atacada por um país não-americano,
todas as outras se aliariam contra o atacante. Após 8 de
dezembro de 1941, quando os EUA entram oficialmente em guerra,
era de se esperar que o Brasil também o fizesse, mas opta
em apoiar o americano sem declarar guerra. O fato criou um mal
estar com os alemães, que diplomaticamente assim como os
Estados Unidos, passaram cobrar uma posição dos
brasileiros, quando em janeiro de 1942 o governo do Brasil rompe
relações diplomáticas, entretanto, a decretação
do estado de guerra viria a ocorrer oito meses depois.
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Hangar abandonado pelos italianos e já
ocupado pelos brasileiros
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Enquanto isso, a construção das bases aérea
de Natal e Parnamirim Field proporcionou um crescimento econômico
nunca antes visto no estado, gerando cerca de 6 mil empregos e
atraindo trabalhadores da capital, interior e outros estados,
além das empreiteiras, todas nacionais e trabalhando em
três turnos, 24 horas por dia. O lado negativo do avanço,
com excesso de dinheiro circulando e o inchaço populacional,
foi um alto índice inflacionário pois a cidade,
com 40 mil habitantes, não estava preparada para receber
tanta gente, sem condições de ampliar a produção
de comida, aumento dos alugueis e das casas de prostituição.
Uma das soluções encontradas pelos americanos, foi
a criação de um aviário ou criação
de galinhas com horta, no local onde hoje existe a Cidade da Criança,
como relatou John Harisson.
A princípio, antes do rompimento diplomático com
a Alemanha, o governo brasileiro permitia apenas seis aeronaves
norte-americanas em território nacional. Após janeiro
de 1942, apenas em Parnamirim Field, estima-se que pelo menos
100 pousos e decolagem ocorressem diariamente, com relatos de
até 300 em dias de pico, resultando numa média de
3 minutos a cada decolagem. Um dado curioso é que a dificuldade
de navegação entre o Brasil e a África e
a deficiência tecnológica à época,
exigia a decolagem apenas à noite, pois a navegação
seguia as estrelas, a exemplo dos primeiros navegadores.
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Sobreviventes do submarino U-164 afundado
na costa nordeste do Brasil. Nesta ocasião eram embarcados
num Catalina do VP-83, em Parnamirim Field, como prisioneiros
de guerra |
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Última edição de jornal,
em inglês, editado em Parnamirim. Janeiro de 1946. "Nossa
última ediãção - Saudamos o Brasil",
diz a manchete. |
Parnamirim
Field tinha duas seções; uma, o Air
Transport Command (ATC), antigo ACFC, do exército e a outra
composta por unidades de combate da marinha americana. O primeiro
esquadrão a ser baseado em Parnamirim foi o VP-83 –
Esquadrão de Patrulha – com aeronaves PBY-5A Catalina,
chegando em abril de 1942. Tais aeronaves eram anfíbias,
ao contrário dos PBY-5 Catalinas do VP-52 que ocuparam
a Rampa, entre dezembro de 1941 e março de 1942. A Rampa
só voltaria a ter unidades de combate americanas em dezembro
de 1942, com a chegada dos primeiros Martin Mariner do esqudrão
Vp-74.
Por ser a maior base norte-americana, Parnamirim recebeu equipamentos
de guerra inovadores, pois além das aeronaves PBY-Catalina,
a marinha também utilizou o PV-1 Ventura e o PB4Y-1 Liberator.
Já o ATC, despachava para diversas partes do mundo o C-46,
C-47, C-54 e C-87 para transporte e a caminho dos fronts norte
África, Oriente Médio, Itália, China, Burma
e Índia, a United States Army Air Force (USAAF) passava
com seus B-24 Liberator, B-25 Mitchell, B-26 Marauder, A-20 Havoc
e alguns P-38 Lightning. Além desses, passaram aviões
de fabricação americana, porém, destinados
à Royal Air Force (Inglaterra) já com pinturas especificas.Um
dado importante e pouco conhecido, é que as primeiras Super
Fortalezas Voadoras, Boeing B-29, a bombardear o Japão,
do 40th Bomb Group, tiveram que passar por Natal para chegar em
bases aliadas na China, lembrando que os territórios conquistados
no Pacífico ainda ficam fora do raio de autonomia do B-29.
O Jack, colaborador da FRAMPA, contou que no dia da passagem dessas
aeronaves por Natal foi determinado a proibição
de se fazer fotos, uma vez que a aeronave era tida como secreta
e, por isso, ficou cercada por marines.
Essa movimentação diminuiu no fim de 1944, até
a guerra acabar quando em 1945 se instalou o Green Project (Projeto
Verde), no qual organizava o retorno das tropas e aeronaves americanas,
até então ocupando bases da África até
a China. Em 1946, Parnamirim Field é entregue ao Brasil
e deixa de existir passando a integrar a Base Aérea de
Natal. Desde então, o lado brasileiro ficou conhecido como
“base oeste” e o lado americano ou Parnamirim Field
como “base leste”. Ainda em operação,
a BANT é responsável pela formação
dos pilotos de caça da Força Aérea Brasileira
(FAB), através do 2/5 Grupo de Aviação. |